A Proposta de Revisão do Código Civil, elaborada por uma comissão de 38 juristas responsáveis pela atualização do codex, apresenta inovações significativas que impactam diversos ramos do direito, especialmente o direito imobiliário. Merecem destaques as propostas de alterações destacadas abaixo, referente ao capítulo destinado a tratar do Direito das Coisas (artigos 1.196 a 1.510 do Código Civil/2002), trazendo novas definições em decorrência de estudos realizados com base nas transformações sociais e tecnológicas atuais.
I. Posse:
1.1 Direito à Autodefesa do Detentor:
O §2º do art. 1.198 reconhece expressamente o direito à autodefesa do detentor, que é aquele que exerce a posse em nome de outrem, como um caseiro. Essa medida visa proteger o detentor contra turbações e esbulhos, assegurando-lhe o direito de repelir a agressão por meios próprios, se necessário.
1.2 Cessação da Posse de Boa-Fé:
O parágrafo único do art. 1.202 estabelece que a posse de boa-fé cessa no momento da interpelação válida, que pode ocorrer por meio de citação, notificação ou protesto. Essa alteração reforça a importância da notificação extrajudicial como instrumento para formalizar a comunicação e fixar o momento em que a posse se torna de má-fé.
II. Direitos Reais:
2.1 Propriedade Fiduciária em Garantia:
O art. 1.225 inclui expressamente a propriedade fiduciária em garantia no rol dos direitos reais. Essa modalidade de direito real garante aos bancos e instituições financeiras a propriedade do imóvel financiado até a quitação da dívida, reforçando a segurança jurídica das transações imobiliárias.
2.2 Aquisição de Bens e Registro Imobiliário:
O §3º do art. 1.242 gera certa preocupação, pois prevê que o terceiro que adquire um bem de boa-fé não terá seu direito real reconhecido em face de direitos reais adquiridos "independentemente do registro". Essa redação pode comprometer a segurança jurídica das transações, pois desconsidera a fé pública do registro imobiliário e gera insegurança para o comprador que se baseia nas informações da matrícula.
III. Usucapião:
3.1 Concessão de Usucapião pelo Oficial de Registro:
O art. 1.238, §2º atribui ao Oficial de Registro de Imóveis a competência para conceder a usucapião em determinados casos, sem necessidade de decisão judicial. Essa medida visa desburocratizar o processo e conferir maior celeridade à resolução de conflitos fundiários.
IV. Compra e Venda:
4.1 Suspensão da Entrega do Imóvel:
O art. 495 introduz a possibilidade de o vendedor suspender a entrega do imóvel se o comprador demonstrar grande insuficiência financeira antes da entrega, mesmo sem a necessidade de comprovar insolvência. Essa alteração visa proteger o vendedor do risco de inadimplência do comprador e reforça a importância da análise de crédito na fase de negociação.
V. Doação:
5.1 Ineficácia da Doação Excessiva:
O art. 549 estabelece que a doação da parte que exceder a legítima (metade do patrimônio do doador) será ineficaz, e não mais nula. Essa mudança visa proteger os herdeiros da dilapidação do patrimônio do doador, mas pode ser vista como uma restrição à liberdade de disposição de bens.
5.2 Doações Sucessivas:
O §2º do art. 549 dispõe que as doações sucessivas serão consideradas conjuntamente para fins de cálculo da legítima. Essa medida impede que o doador "burle" a regra da proteção da metade da herança por meio de doações de pequeno valor.
A Proposta de Reforma ainda está em fase inicial de discussão e precisa percorrer um longo caminho até se tornar lei, de modo que diversos debates e modificações podem ocorrer durante sua tramitação pelas Casas Legislativas. Ademais, ainda que seja aprovada, a interpretação das leis pelos tribunais, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), pode influenciar significativamente na aplicação das novas regras, mitigando ou até mesmo revogando parte das inovações propostas.